(Trans-Inter)Multiculturalismo e Educação de Jovens e Adultos
Pensar a alfabetização de crianças, de jovens e adultos exige o debruçar sobre a constituição dos
povos no mundo, reconhecemos e percebemos as consequências que ultrapassaram o
nível econômico imperialista de exploração e opressão, exímio formador de
nações inteiras de assolados na miséria social, afetando as relações sociais e
culturais caracterizadas pelas políticas de dominação e universalização das
culturas, ignorando as diferenças no diálogo simultâneo, soldando as vozes, empenhando
esforços para ocultamentos, emudecimentos e incutações culturais padronizadas e
espelhadas no eurocentrismo. Pode o transculturalismo
crítico nos ajudar a pensar a colonialidade dos povos explorados e oprimidos
pela força da violência de dominação cultural?
As tendências autoritárias nas típicas relações de poder na sociedade hiper-fragmentada,
neoliberais, predatória, , racista, sexista, ecocida, impulsiona o
desenvolvimento de uma Pedagogia crítica (McLAREN, 1997) voltada para a
cidadania, através da denúncia, da conscientização das/os estudantes quanto à
opressão das diversas forças do modelo econômico capitalista, almejando, pela
via da libertação, a emancipação dos sujeitos, a partir do reconhecimento e
valorização das suas identidades culturais através das relações com o outro.
Os desafios para uma educação contra
hegemônica são inúmeros. A transformação
social a partir da prática educacional sócio-histórica, trans-inter-multiculturalista,
crítica da pós-modernidade, de resistência, oposicional, radical,
intervencionista, de ressignificações políticas de relacionalização da diferença,
discursiva, dialógica, libertária e transformadora cultural, na visão de
McLaren (1997) constitui-se paradoxo face à construção de branquidades, a
negociação dos simulacros identitários pela elite branca, euro-norte-americana,
niilista, promotora do empobrecimento material e intelectual de uma maioria através
do cerceamento e controle de dados e das consciências humanas fundamentalmente
de homens e mulheres afro-americanos, tomadas como constituinte de corpus
selvagem, em prol de imperativos mercadológicos ratificados pelas diferentes
formas de multiculturalismo não-crítico; e finalmente, a ascensão do
fundamentalismo cristão em fusão com uma Nova Direita ultra-neoliberal,
machista, modeladora de consumidores compulsivos a partir de narrativas
intencionais que nos leem o tempo todo, desafiando a capacidade crítica e
reflexiva de leitura das narrativas branqueadas pelos negros, colocando em
risco suas próprias narratividades e identidades culturais.
A construção de narratividades de
fronteiras, objetivando a subversividade política e autoral frente aos
discursos de opressão ao afirmar que os discursos dominantes são espaços de
luta e seus significados estão ligados a antagonismos sociais (McLaren, 1997:
143) e que a reflexão e a crítica isoladas não são suficientes para a
emancipação nos é proposto pelo autor. O
diálogo entre as identidades culturais deve ser assumido pela pedagogia crítica,
não reducionista da ordem social (1997, p.142) para o movimento pós-colonialista,
no qual as/os educadoras/es tornam-se narradores de histórias, teóricas/os
de um pós-modernismo de resistência que possa ajudar as alunas e alunos a
fazerem as conexões necessárias entre os seus desejos, suas frustações e com as
formas sociais e culturais que os informam (1997: 211) no encontro com a
compreensão da vida social e política, numa lógica de repertórios identitários opostos
aos imperativos de mercado, negociando as identidades culturais étnicas, não-sexistas,
não-heterossexistas, não-classistas, os pertencimentos,
o que há dentro de si com o que há no outro, possibilitando a constituição do
que somos e do que nos tornaremos.
A reprodução das desigualdades
sociais e econômicas que, à sombra dissimulada do multiculturalismo, propaga as
ideologias dominantes e os valores culturais fundamentais para as identidades
culturais branquiadas, ao mesmo tempo em que alerta para a importância da
representação das histórias étnicas, questionando a extensão das narrativas
totalitárias que suprimem as descontinuidades, os espaços, os silêncios das
identidades culturais das minorias (MCLAREN, 1997). Ao propor o multiculturalismo crítico como
uma política de resistência, atualizando-o no espaçotempo da sua
experiência histórica e profissional em defesa da radicalidade, a partir da
prática de uma pedagogia crítica revolucionária, McLaren nos desafia a pensar a
atualidade da sua obra frente às mazelas sociais mais em evidência ante a crise
sanitária e contexto atual pandêmico.
As
afro-brasilidades que constituem a população no Brasil enriquecem a nossa
cultura ao mesmo tempo em que expõe no tempo presente o quanto as pessoas
negras, de ancestralidade escravizada no país, sofrem com as sequelas da
destituição dos direitos humanos, do direito de ser mais (FREIRE, 2005) como
sujeito de direitos, sobretudo o direito à educação e ao saber historicamente
produzido. Mas concordando com Munanga (2015), não se pode aceitar que os
processos de escravização sofridos pelos negros, bem como as outras formas de
escravização sofridas pela população pobre subalternizada em prol do
capitalismo nos dias atuais sejam a causa da baixa escolarização no país,
tampouco um dos fatores da roda girante produtora do fracasso escolar tendo em
vista que os mais de cem anos do fim da escravidão dos negros já
deveriam ter demonstrado uma vontade político-cultural de superação deste
problema social.
Nos
anos 50, Florestan Fernandes convidava-nos a uma reflexão complexificada acerca
das relações sociais no Brasil que, tratadas hegemonicamente como democráticas,
o que se evidencia na frase “o Brasil é um país democrático!”, muito
difundida por representantes políticos em época eleitoral. Para o autor,
a ocupação dos negros nos setores mais subalternos da sociedade após a abolição
da escravatura representava que a democracia racial era um mito observado a
partir da própria história da modernização do país, uma vez que no processo
houve uma forte tendência higienista com o incentivo imigratório de europeus,
recebendo terras e incentivos financeiros para se estabelecerem no país, o que
nos faz perceber e salientar que a ancestralidade das/os estudantes da EJA não
se beneficiou da tal “democracia”, fato este que, mesmo com os investimentos em
ações políticas, sócio e culturais de cotização das ofertas de escolas,
universidades e concursos para cargos públicos, contribui para a sistemicidade
das desigualdades sociais pela via da interdição do direito.
No palco das discussões sobre diferença, o multiculturalismo crítico em sua versão emancipatória reconhece a diferença como direito e o direito da coexistência das identidades culturais colocadas em movimento, em fluxo, ressignificadas nas lutas antirracistas, feministas, ambientalistas, de gênero, articuladas com o debate contínuo sobre novas definições de direitos, de justiça social, de política, de democracia, de cidadania.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido Rio de Janeiro, 9.ed. Paz e Terra, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, 43.ed. Paz e Terra, p.89-139, 2005.
MCLAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. Prefácio Paulo Freire; Apresentação Moacir Gadotti: - São Paulo: 3. ed. Cortez, 1997.
MUNANGA,
Kabengele. Por que ensinar a história da África e do negro no Brasil de hoje?
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 62, p. 20–31, dez.
2015.
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